segunda-feira, 14 de março de 2011

Fazer 36 anos

Que me permita *Affonso Romano de Sant'Anna... Ontem foi meu aniversário!!!



Antes dos 36 as coisas são diferentes. Claro que há algumas datas significativas, mas fazer 7, 14, 18 ou 21 é ir numa escalada montanha acima, enquanto fazer 36 anos é chegar no primeiro grande patamar de onde se pode mais agudamente descortinar.

Fazer 40, 50 ou 60 é um outro ritual, uma outra crônica, e um dia eu chego lá. Mas fazer 36 anos é mais que um rito de passagem, é um rito de iniciação, um ato realmente inaugural. Talvez haja quem faça 36 anos aos 26, outros aos 46, e alguns, nunca. Sei que tem gente que não fará jamais 36 anos. Não há como obrigá-los. Não sabem o que perdem os que não querem celebrar os 36 anos. Fazer 36 anos é coisa fina, é começar a provar do néctar dos deuses e descobrir que sabor tem a eternidade. O paladar, o tato, o olfato, a visão e todos os sentidos estão começando a tirar prazeres indizíveis das coisas. Fazer 36 anos, bem poderia dizer Clarice Lispector, é cair em área sagrada.

Até os 36, me dizia um amigo, a gente vai emitindo promissórias. A partir daí é hora de começar a pagar. Mas também se poderia dizer: até essa idade fez-se o aprendizado básico. Cumpriu-se o longo ciclo escolar, que parecia interminável, já se foi do primário ao doutorado. A profissão já deve ter sido escolhida. Já se teve a primeira mesa de trabalho, escritório ou negócio. Já se casou a primeira vez, já se teve o primeiro filho. A vida já se inaugurou em fraldas, fotos, festas, viagens, todo tipo de viagens, até das drogas já retornou quem tinha que retornar.

Quando alguém faz 36 anos, não creiam que seja uma coisa fácil. Não é simplesmente, como num jogo de amarelinha, pular da casa dos 35 para a dos 36 saltitantemente. Fazer 36 anos é cair numa epifania. Fazer 36 anos é como ir à Europa pela primeira vez. Fazer 36 anos é como o mineiro vê pela primeira vez o mar.


Na verdade, fazer 36 anos não é para qualquer um. Fazer 36 anos é, de repente, descobrir-se no tempo. Antes, vive-se no espaço. Viver no espaço é mais fácil e deslizante. É mais corporal e objetivo. Pode-se patinar e esquiar amplamente.

Mas fazer 36 anos é como sair do espaço e penetrar no tempo. E penetrar no tempo é mister de grande responsabilidade. É descobrir outra dimensão além dos dedos da mão. É como se algo mais denso se tivesse criado sob a couraça da casca. Algo, no entanto, mais tênue que uma membrana. Algo como um centro, às vezes móvel, é verdade, mas um centro de dor colorido. Algo mais que uma nebulosa, algo assim pulsante que se entreabrisse em sementes.

Aos 36 já se aprendeu os limites da ilha, já se sabe de onde sopram os tufões e, como o náufrago que se salva, é hora de se autocartografar. Já se sabe que um tempo em nós destila, que no tempo nos deslocamos, que no tempo a gente se dilui e se dilema. Fazer 36 anos é como uma pedra que já não precisa exibir preciosidade, porque já não cabe em preços. É como a ave que canta, não para se denunciar, senão para amanhecer.

Fazer 36 anos é passar da reta à curva. Fazer 36 anos é passar da quantidade à qualidade. Fazer 36 anos é passar do espaço ao tempo. É quando se operam maravilhas como a um cego em Jericó.

Fazer 36 anos é mais do que chegar ao primeiro grande patamar. É mais que poder olhar pra trás. Chegar aos 30 é hora de se abismar. Por isto é necessário ter asas, e sobre o abismo voar.



* O texto acima foi adaptado. Conheça o autor e sua obra visitando "Biografias".

2 comentários:

Unknown disse...

Estou ficando velho e burro! O texto está, agora, devidamente corrigido!

Nívea Maria disse...

Ainda preciso fazer muitas coisas pra estar completamente encaixada em sua definição dos 36. rs

Vou me esforçando... Hj é só meu primeiro dia.

Postagens populares