sexta-feira, 29 de maio de 2009

STJ julga primeiro recurso sobre responsabilidade de veículo de comunicação

Fonte: Cíntia Cruz <cintia.cruz@gmail.com> - [Clube da Comunicação]

A divulgação de informações pela imprensa só pode ser considerada culposa seo veículo agir de forma irresponsável. Ao veicular notícia sobre suspeitas einvestigações, em trabalho devidamente fundado, os órgãos de imprensa nãosão obrigados a ter certeza plena dos fatos, como ocorre em juízo. Oentendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aojulgar o primeiro caso após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que,em argüição de descumprimento de preceito fundamental (ação utilizada paraquestionar a adequação de uma lei antiga a uma Constituição posterior)declarou ser inaplicável, em face da CF/88, a Lei de Imprensa (Lei n.5.250/67).
Como a Lei de Imprensa não pode mais ser aplicada, para alterar decisãocondenando a Globo Participações S/A por reportagem no programa Fantásticoque citou o jornalista Hélio de Oliveira Dórea como envolvido na “máfia dasprefeituras” no Espírito Santo e Rio de Janeiro, a ministra Nancy Andrighise baseou apenas no Código Civil e na Constituição Federal, além de noCódigo de Ética dos Jornalistas.
“A elaboração de reportagens pode durar horas ou meses, dependendo de suacomplexidade, mas não se pode exigir que a mídia só divulgue fatos após tercerteza plena de sua veracidade. Isso se dá, em primeiro lugar, porque arecorrente, como qualquer outro particular, não detém poderes estatais paraempreender tal cognição. Impor tal exigência à imprensa significariaengessá-la e condená-la a morte”, afirmou a relatora. “O processo dedivulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo sercélere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios deum procedimento judicial”, completou.
Segundo a ministra, a reportagem registrou depoimentos de fontes confiáveis,como de testemunha que formalizou notícia-crime à polícia e de procurador daRepública. O próprio repórter passou-se por interessado nos benefícios docrime e obteve gravações que demonstravam a existência do esquema de fraudesapontado. “Não se tratava, portanto, de um mexerico, fofoca ou boato que,negligentemente, se divulgava em cadeia nacional”, explicou a relatora. Alémdisso, o advogado de Dórea fora ouvido e sua afirmação, negando qualquerligação ou prova contra o jornalista, veiculada.
Dórea havia ganho em primeira instância indenização de R$ 100 mil por danosmorais e R$ 6,5 milhões por danos materiais. O tribunal local determinou arevisão do valor dos danos materiais, para que fosse apurado na fase deexecução. Mas, pelo entendimento da Terceira Turma do STJ, a veiculaçãoanalisada não configura abuso da liberdade de imprensa nem viola direitos doautor da ação.
Para o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), teria ocorrido abuso dodireito de informar, tendo a Globo agido com ânimo de difamar e caluniar. “Asimples pecha de suspeito atribuída [...] já se faz conduta suficiente aensejar danos à honra objetiva (social) e subjetiva (íntima) do autor,merecendo, assim, repreensão judicial”, registra a decisão.
Mas, no entendimento da relatora do recurso no STJ, a reportagem em nenhummomento fez afirmação falsa: indicava que Dórea era suspeito de pertencer àorganização criminosa que, por sua vez, era suspeita de assassinar umadvogado. Por isso, argumentou a ministra, “não basta a divulgação deinformação falsa, exige-se prova de que o agente divulgador conhecia oupoderia conhecer a inveracidade da informação propalada”.
“O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas,quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadase afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará.Pode-se dizer que o jornalista tem um dever de investigar os fatos quedeseja publicar”, acrescentou.
A ministra Nancy Andrighi afirmou ainda que, por mais dolorosa que fosse asuspeita que recaía sobre o jornalista, à época da reportagem ela realmenteexistia, tanto que a justiça determinou até mesmo busca e apreensão em umaempresa sua. “Se hoje já não pesam sobre o recorrido essas suspeitas, issonão faz com que o passado se altere. Pensar de modo contrário seria imporindenização a todo veículo de imprensa que divulgue investigação ou açãopenal que, ao final, se mostre improcedente”, concluiu.

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