Por Marco Collonna [amcmarco@gmail.com]
Nunca se falou tanto em liberdade, e poucas vezes fomos tão pressionados por exigências absurdas...
Sem dúvida, num tempo em que os maiores recursos tornam as possibilidades mais ricas e várias, não ganhamos mais páginas para escrever; ganhamos um roteiro a cumprir. Saímos da vida para entrar numa gincana.
A lista de tarefas é polpuda. Você (para ser um, você que preste) tem de ser bonito (relação de produtos, tratamentos, academias e exercícios em anexo), tem de ser descolado (relação de filmes, livros, shows e viagens obrigatórias em anexo), tem de ter mestrado até os 25 anos, doutorado até os 30 anos, uns dois MBAs já há muitos, promoção para a vice-presidência até os 34, marido (ou esposa) até os 35, dois filhos apolíneos até os 37.
Claro, o ideal mesmo seria fazer tudo isso até os 23. Você tem de conhecer toda e qualquer função do celular – e se o seu só serve para aquilo que serve um telefone, você é um dalit impuro, ignominioso e desprezível. Tem de saber o que é blackberry, bluetooth, iPhone, mp6, mp7, mp8, programar qualquer espécie de DVD sem ler o manual, já ter baixado pelo menos 5.376 músicas da internet, ser no mínimo um webdesigner amador, colocar o notebook na bolsa da praia, checar e responder a e-mails no cinema. Tem de estar – como disse alegremente o comercial a que assisti ontem mesmo... no cinema – conectado o tempo todo. E ai de você se ficar inacessível por quatro minutos. Capaz de dar divórcio, de ser demitido, de a empregada se suicidar, de o filho precisar de terapia. Como assim, a bateria arriou? como assim, estava dormindo? ou pior: estava almoçando? E você almoça sem o celular?? Divórcio, claro. Impossível conviver com uma pessoa tão rebelde à urgência alheia. Pior: que nem sabe os motivos do aquecimento global. Pior: que nunca ouviu Amy Winehouse. Pior: que nem é mais jovem!! já tem 28 longos anos – e onze meses!...
Na antiguidade de uma década atrás, começávamos o ano com uma listinha de promessas. Atualmente o principiamos com uma lista de material. Cada janeiro traz novas, moderníssimas obrigatoriedades, como a troca de cada aparelhinho que já saiu obsoleto da loja, ou a reserva (para julho) no restaurante que está bom-ban-do (e em dezembro, claro, já estará etiquetado com a setinha "desce" em qualquer revista). Sobra tão pouco para nós, sobra tão pouco de nós. Tão pouco tempo, e não meramente para viver com propósito: para viver de propósito. Para ter qualquer idade com 100% de certeza. Para ter qualquer profissão com direito a dúvida. Para não ser feliz compulsória, e sim gratuitamente – mesmo que com dificuldade, porque também se tem direito à dificuldade. Sobra tão pouco tempo para termos tempo – pois passamos o tempo todo não o tendo (tê-lo pega mal). Somos tidos. Pelos bens, pelas urgências, pelas tantas necessidades emprestadas, pelas muitas vontades absorvidas, pelos complexos plantados, pelas supostas verdades semeadas (diferentes daquelas da semana anterior), pelos sentimentos farmaceuticamente encapsulados – somos tidos: voz-passivamente. Numa vida sem quintal, sem balão azul; uma vida de plástico que, "aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma”.
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